Ele foi torneiro mecânico e sempre se referia com orgulho a esta profissão nas entrevistas que concedia periodicamente. Também chegou a trabalhar como motorista e, segundo a lenda, conduziu a diva Ângela Maria. A mesma Ângela Maria que inspirara Elis Regina. Sábado, dia 3, o Brasil perdeu, talvez, o seu último cantor da era romântica. A mesma iniciada por nomes como Francisco Alves, o Rei da Voz; Silvio Caldas, o Seresteiro do Brasil; Orlando Silva, o Cantador das Multidões e, claro, Nelson Gonçalves. Intérpretes românticos que, antes de ingressarem no mundo artístico traziam um passado até mesmo meio obscuro. Nelson Gonçalves, por exemplo, teria trabalhado como ‘protetor’ de profissionais do sexo. Francisco Alves, para emplacar um sucesso em seu nome, ‘socorria’ com gorjetas o sempre quebrado poeta da Vila, Noel Rosa, e assim, passou a ser visto como compositor. Mas os sambas-canções eram do gênio Noel, que os vendia para levantar uns trocos e continuar tomando com seus amigos.
Timóteo tinha um passado proletário, como muitos artistas que se tornaram ícones e fizeram a atmosfera de um tempo. Agnaldo nunca perdeu o vigor da sua voz. Cantava tão bem quanto Altemar Dutra, outra voz marcante. De personalidade forte, Agnaldo Timóteo se manteve ativo na sua longeva carreira artística. Logo no início dos reality shows, lá estava ele. Convidado pelo apresentador Silvio Santos, Agnaldo integrou o elenco confinado numa das primeiras edições da Casa dos Artistas, produzida pelo SBT.
No Brasil da pós-modernidade, das relações amorosas líquidas e quase que instantâneas quanto as mensagens de whatsapp, a emoção dos versos cantados de forma ‘tremida’, Agnaldo Timóteo sobreviveu por sua presença midiática única. Chamava atenção pelas falas, pelo talento e inspirava. Humoristas conseguiram captar de forma caricata suas expressões e as atuais gerações tiveram acesso a uma fagulha da imensa fogueira talentosa deste mineiro que também fez carreira na vida pública. O bordão que pegou: ‘É menino ou menina?’, surgido em um quadro hilário do extinto ‘Pânico’, é quase nada quando se ouve ‘Verdes campos da minha terra’, ‘O meu grito’ ou o dueto ‘A pretendida’ gravado com Altemar Dutra em álbum póstumo em homenagem ao intérprete de ‘Brigas’. Timóteo encerra um ciclo de cantores que conseguiram romper barreiras para dar voz masculina ao maior sentimento do mundo: o amor.
Ramon Barbosa Franco, 41 anos, é escritor e jornalista, autor de ‘A próxima Colombina’, ‘Contos do Japim’, ‘Getúlio Vargas, um legado político’ e das narrativas inéditas ‘Os canônicos’, ‘Canavial, os vivos e os mortos’ e ‘Dias de pães ázimos’ (e-mail: ramonimprensa@gmail.com)
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