ESPECIALISTA ORIENTA COMO CUIDAR DA SAÚDE MENTAL DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES DURANTE A PANDEMIA

O distanciamento social que temos vivido nos últimos meses tem sido uma das principais alternativas para impedir a propagação do novo Corona vírus, causador da doença Covid-19. Mas a quarentena não tem sido um período de fácil adaptação para muitas pessoas, principalmente para a cerca de 860 milhões de crianças do mundo todo que precisaram se afastar bruscamente de sua rede socioafetiva: colegas de escola, professores, amigos e pessoas queridas da família, como os avós.

Ficar em casa acabou trazendo uma nova forma de se relacionar com as pessoas e todas as incertezas que um futuro pós-pandemia traz diariamente para a casa de milhares de famílias pode ocasionar danos psicológicos que devem ser monitorados, sobretudo em crianças e adolescentes. De acordo com a psicóloga especialista em Neuropsicologia (CFP), Graziele Kerges Alcantara, a pandemia da Covid-19 já tem sido considerada por muitos pesquisadores como a maior emergência de saúde pública que a comunidade internacional enfrente em décadas.

“Organizações como UNICEF, UNESCO, OMS vem alertando quanto ao risco de crescimento de várias situações relacionadas à infância e adolescência como dificuldade ao acesso à educação, à alimentação adequada e saudável aos estudantes, violência sexual, exploração do trabalho infantil, entre outras, impactando no desenvolvimento infantil”, afirma.

Ainda segundo a especialista, conselhos e associações brasileiras e mundiais como, por exemplo, o Conselho Federal de Psicologia (CFP), American Psychological Association (APA) e a Organização Mundial de Saúde (OMS) tem considerado o impacto da pandemia na saúde mental das pessoas como extremamente preocupante, alertando para o possível aumento maciço de condições de saúde mental nos próximos meses e a urgência de se investir em serviços de saúde mental.

“Semanalmente vem sido publicados estudos apontando para a importância de intervenções psicológicas alinhadas às necessidades decorrentes do atual contexto da pandemia. Relatórios oficiais já indicam aumento nos sintomas de depressão e ansiedade em vários países”, relata.

Como identificar ansiedade excessiva e preservar a saúde mental

Mudanças físicas, emocionais e sociais, tornam as condições de saúde mental de crianças e adolescentes bastante vulneráveis, principalmente quando acontecem de forma repentina, como no caso da quarentena e do isolamento social impostos para controlar a pandemia. Por isso, é extremamente necessário que pais, familiares e cuidadores estejam atentos a mudança de comportamento das crianças e dos adolescentes, para que desta forma, consigam identificar a ansiedade e medos além do normal, assim como momentos de crise que possam vir a acontecer.

“Comportamentos como choro, birras, desobediência e resistência a rotinas, regras e execução de atividades escolares, assim como tarefas do dia-a-dia como tomar banho, guardar os brinquedos e objetos pessoais, etc., podem ser pistas de que a criança ou adolescente possa estar apresentando dificuldade de adaptabilidade as mudanças de rotina o que por sua vez pode estar relacionado a altos níveis de ansiedade. Chamamos de adaptabilidade a capacidade de adaptar-se facilmente às mudanças ambientais”, explica Graziele.

De acordo com a especialista, as dificuldades de adaptabilidade podem ser vivenciadas não somente em condições de transtornos do neurodesenvolvimento e/ou psiquiátricos, mas também podem estar associadas a altos níveis de ansiedade em crianças e adolescentes que não apresentavam nenhuma dificuldade prévia.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), as condições de saúde mental são responsáveis por 16% das doenças e lesões em pessoas com idade entre 10 e 19 anos, tendo como as principais causas de morte a depressão e o suicídio. Estima-se que, no mundo, entre 10% e 20% sofram com problemas psicológicos. A especialista explica que a melhor estratégia para pais e professores que convivem com uma criança e/ou adolescente que apresentam sintomas de ansiedade é adotar táticas que aumentam a autoconsciência, o auto entendimento e o autocontrole para trazer melhora psicológica e comportamental.

“Auxilie a criança ou o adolescente a identificar seus próprios pensamentos negativos irracionais e substitui-los por outros mais realistas e positivos; ao realizar uma tarefa, caso perceba sinais de ansiedade, incentive o exame das evidências a favor e contra os pensamentos irracionais que possam surgir nesse momento. Proponha tarefas de relaxamento como fazer um exercício físico, atividades alternativas (jogos, assistir televisão, tocar um instrumento, ouvir música, ler algo do interesse da criança), imaginar um lugar relaxante, controlar a respiração, entre outras”, acrescenta a especialista.

Graziele explica que a forma como as famílias reagem a uma adversidade também pode trazer repercussões ao funcionamento da criança e do adolescente, sendo fundamental que os pais e familiares busquem desenvolver experiências protetoras visando amenizar os impactos de situações de risco, adversas ou estressantes, tais como:

– Adotar uma visão mais positiva do que negativa;

– Demonstrar que situações adversas podem ser uma oportunidade de alcançar algo mais favorável;

– Evitar críticas excessivas assim como sentimentos negativos direcionados a criança e ao adolescente relacionado ao seu desempenho acadêmico;

– Dar a oportunidade para criança ou adolescente falar dos sentimentos e pensamentos ao ser exposta a uma tarefa que considere estressante;

– Se empenhar em descobrir junto com a criança ou adolescente pontos positivos a respeito da situação que está promovendo o estresse ou ansiedade;

– Elogiar! “Faça elogios à criança e ao adolescente, como também incentive que ele mesmo reconheça seus pontos positivos”, indica a especialista.

Para criar um ambiente saudável e tranquilo, principalmente em dias difíceis como os que estamos vivendo atualmente, um conselho valioso é cuidar da própria saúde mental, para então ter condições de cuidar da saúde mental das crianças e adolescentes. Quando estão estressados e ansiosos demais, os adultos não conseguem dar atenção de qualidade para as crianças, é necessário, portanto, avaliar a si mesmo, reorganizar a rotina da família e identificar a tensão no ambiente familiar. Olhar para si e entender que estamos vivendo uma nova realidade é fundamental para cuidar da saúde mental de toda a família.

Aprendizagem durante a pandemia

A especialista orienta também sobre a importância de manter e realizar as atividades de aprendizagem com as crianças e os adolescentes, já pensando inclusive em um futuro pós-pandemia, se organizando para o retorno às aulas presenciais, que podem acontecer nos próximos meses.

De acordo com a UNICEF, é fundamental que crianças e adolescentes tenham acesso à internet para que possam exercer plenamente seus direitos, o que durante o isolamento social torna-se ainda mais importante para garantir a continuidade da aprendizagem, além de manter contato com amigos e cuidar da saúde mental, possibilitando até se proteger contra situações de violência.

“Em nosso país, a partir de dados preliminares da pesquisa TIC Kids, 4,8 milhões de crianças e adolescentes de 9 a 17 anos de idade vivem em domicílios sem acesso à internet”, alerta Graziele.

Ela afirma que desde o início da interrupção das atividades presenciais nas escolas, educadores, pais e alunos, assim como profissionais das áreas da psicologia, fonoaudiologia, psicopedagogia vem tecendo esforços com o objetivo de proporcionar melhores condições para o aprendizado. Dentre as várias iniciativas é possível inclusive encontrar materiais disponíveis gratuitamente na internet, com o objetivo de fornecer orientações e atividades para pais e professores em tempos de Covid-19.

“Em nosso município, o Laboratório de investigação dos Desvios da Aprendizagem-LIDA/FFC-UNESP- Marília-SP tem desenvolvido materiais para download grátis. como por exemplo, o e-book publicado pelo Departamento de Fonoaudiologia Educacional da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia (disponível em https://www.sbfa.org.br/portal2017/pdf/cvd19-ebook-fonoeduc.pdf), assim como lives e mini cursos gratuitos”, finaliza a especialista. É possível encontrar mais informações no Instagram @infolidasimonecapellini.

 

Graziele Kerges Alcantara (@kergesgra) é psicóloga especialista em Neuropsicologia (CFP). Mestre e Doutoranda em Distúrbios da Comunicação Humana – FFC/UNESP-Marília-SP. Membro do Laboratório de Investigação dos Desvios da Aprendizagem – LIDA/UNESP. Possui especialização em reabilitação neuropsicológica pelo Centro de Estudos de Neurologia Prof. Dr. Antonio Branco Lefèvre/FMUSP. Membro do Grupo de Pesquisa do CNPq “Linguagem, Aprendizagem, Escolaridade”.

Veja também...

Rolar para cima